sexta-feira, 23 de abril de 2010

Genialidade e morte prematura

Estamos às vésperas do aniversário da morte de Álvares de Azevedo, o maior representante do ultra-romantismo brasileiro e no ano do centenário de Noel de Medeiros Rosa, indiscutivelmente o maior sambista brasileiro de todos os tempos. Ambos destoaram em suas respectivas épocas (séculos XIX e XX) pelo talento precoce e pelo alto nível de suas produções em relação aos seus contemporâneos, tendo suas obras alcançado o devido reconhecimento apenas postumamente.

Maneco, como era conhecido Álvares de Azevedo, foi um caso à parte no Romantismo brasileiro. Enquanto o espírito nacionalista vigorava e imperava nos escritos dos outros poetas e prosadores que se empenhavam em legitimar a literatura brasileira, a sua atitude era de negação desses valores, estabelecendo um paradoxo que teve de sustentar praticamente sozinho. Vale salientar que sempre foi um aluno brilhante e desde cedo manifestava interesse pelos cânones europeus e universais, de onde certamente lhes serviu de inspiração para a construção de suas personagens e da sua poética. Obcecado pelo seu drama íntimo - comum ao adolescente- vê-se uma personalidade literária dilacerada e ambígua marcada pelo confronto dos extremos ou binomia, retratada na Lira dos Vinte Anos e no Macário. Além do lado onírico, sentimental e idealizador presentes nas partes 1ª e 3ª da Lira e no personagem Penseroso de Macário, há a outra faceta marcada pela ironia, pelo ceticismo e pelo satanismo do próprio Macário e dos seus poemas satíricos. Censurava realisticamente a artificialidade de um nacionalismo "importado" e foi o "primeiro e único antes do Modernismo a dar categoria literária ao prosaico, à roupa suja, ao cachimbo sarrento" como afirmaria Antônio Cândido. Dentre os românticos, foi o que mais produziu (apesar do pouco tempo de vida) e o que penetrou mais profundamente no espírito romântico.

Assim também fora Noel Rosa, jovem gênio da MPB, grande homenageado deste ano no enredo de carnaval da Vila Isabel. Enquanto São Paulo de Oswald e Mário fazia aquele Modernismo agressivo com vistas no progresso industrial, futurista e com nítida influência das vanguardas européias, o Rio fazia o seu Modernismo única e exclusivamente através de Noel Rosa. Sem qualquer influência estrangeira, Noel acreditava que a poesia estava na simplicidade do cotidiano: seus versos brotavam do botequim, da mulata, do jornaleiro, do garçom, das disputas poéticas com Wilson Batista e das memoráveis parcerias ( Cartola, Ismael Silva, Francisco Alves, entre outros). Sua vasta obra contém canções belíssimas que unem forma e conteúdo, seja nas sátiras carnavalizadas, seja no lirismo plangente atribuído aos seus amores, seja nas canções em que penetra no eu-lírico feminino lamentando a ausência do amado, característica essa que foi buscar nas cantigas de amigo da Idade Média e que tantos outros o fariam depois, a exemplo de Chico e Caetano. Foram mais de 300 músicas compostas num curto período de 7 anos.

Além do enorme talento e grandeza poética comum aos dois, outra (triste) circunstância os une: a turbeculose e a consequente morte prematura. Noel morreu aos 26 anos; Álvares de Azevedo, aos 20. Fico a imaginar o quanto a nossa cultura se enriqueceria caso ambos tivessem a oportunidade de viver e produzir mais...


Renan Silva

6 comentários:

Jailton disse...

É verdade. Concordo com você, Renan. Esse título também lembra nosso poeta paraibano Augusto dos Anjos, que assim como Álvares de Azevedo e Noel Rosa foi um grande poeta, mas que teve também morreu ainda jovem. Por isso, verdade seja dita: muitos dos nossos escritores brasileiros (poetas e prosadores), se tivessem vivido mais teriam produzido coisas fabulosas.

Thalita S2 Vinícius disse...

É verdade Renan, perdemos cedo muitos gênios do nosso país, como os que você citou, o nosso querido Augusto dos Anjos, como bem lembrou Jailton, e muitos outros como Manuel Antônio de Almeida que morreu aos 30 anos. Mas apesar de algumas perdas, devemos agradecer também a longa vida de escritores como a Cecília Meireles, por exemplo.
E se esses que partiram cedo demais, iriam nos deixar mais tesouros, ninguém sabe, o que todos nós podemos fazer é aproveitar ao máximo dessas obras e apreciar os que ainda estão entre nós, que muitas vezes não os reconhecemos como merecem, para não fazermos apenas homenagens póstumas.

ivonaldo disse...

Devemos dá a devida importância aos gênios do passado, pois estes deixaram as marcas de sua época na literatura brasileira. Mas, corcordo com a Thalita, devemos reconhecer os gênios da atualidade, porque a produções atuais não são inferiores as do passado!

Unknown disse...

As produções literárias significativas devem ser reconhecidas e devidamente destacadas.
Como Renan bem falou, nosso querido Àvares de Azevedo nos deixou marcas literárias bem definidas, através de suas belíssimas obras.
mas vale salientar como os demais colegas citaram, que a produção literária não para, e que ainda temos por perto escritores fabulosos que ainda nos dão a honra de tê-los em vida.

Túlio disse...

De fato. Tão intenso nas obras e uma morte tão prematura. Porém, sua intensidade se etenizou em suas obras.

Unknown disse...

O que importa é que um dia esses gênios existiram (materialmente) entre nós, e suas grandiosas produções os eternizam neste mundo.