Raíra Maia
Aliando tradição e modernidade, Carlos Drummond de Andrade é considerado um dos maiores nomes da poesia nacional, sendo possível apontá-lo como responsável por grandes inovações na literatura brasileira do século XX. O poeta mineiro, que "bebeu nas águas" dos Modernistas de 22, deixou-nos uma obra que oscila entre inquietudes poéticas, a partir de sua preocupação estética, consciência de linguagem e abordagens de cunho social, reconhecido, assim, também como uma poeta "engagée".
Em seus primeiros livros, convergências entre o Movimento Modernista e Drummond podem ser apresentadas tendo em vista o tratamento anticonvencional, exercido pelo poeta, apesar de temáticas que, de certa forma, já estavam "consolidadas" pela tradição, como sentimentalidades e a espiritualidade do mundo.
O poema "Um homem e seu carnaval", presente no livro "Brejo das almas", retrata o trabalho com a palavra poética, através de técnicas "modernas" de composição e abodagem dos confllitos entre o indivíduo (o "eu") e o mundo.
"Um homem e seu carnaval" é composto por versos sem rimas e sem métrica fixas, contudo a presença de enjambement proporciona as continuações e linearidades sintático-semânticas do poema. Na primeira estrofe, composta por nove versos, podemos perceber do verso 5 ao 8 a aliteração da consoante "s"; já na segunda estrofe, composta por dez versos, há predomínio das consoantes oclusivas "p", "b" e "t" nos versos 1 ao 3.
Por tratar-se de um poema fanopáico, isto é, em que existe a preponderância das imagens ao longo do texto, podemos afirmar que a construçao poética relaciona-se diretamente com tais imagens e com a própria temática exposta. Sendo assim, apontamos que a aliteração da consoante "s", na primeira estrofe, sugere uma isomorfia, uma vez que a sonoridade deste fonema remete-nos ao contexto em que a voz poética está inserida, espaço este caracterizado pela folia do carnaval: barulho, multidão, danças... Da mesma forma ocorre na estrofe seguinte, quando o eu lírico diz: "O pandeiro bate/ é dentro do peito/ mas niguém percebe" as consoantes aqui em destaque proporcionam a visão e a sonoridade dos batuques e das agitações do carnaval.
A terceira estrofe inicia-se com a mesma expressão que abre o poema "Deus me abandonou no meio..." contudo, nesta última estrofe, há uma "transfiguração" dos espaços e das personagens na continuidade do texto: os elementos do carnaval - representados, inicialmente, pelas figuras da baiana e da egípcia - são substituídos por matérias depreciativas, como "peixes sulfúreos" e "ondas de éter", revelando-nos uma suposta inquietação, ou inadequação do eu lírico àquele ambiente. Para reforçar esse sentimento de não correspondência à situação, sublinhamos que um dos aspectos drummondianos mais conhecidos é esta oposição do eu com o mundo.
Esse sentimento de o eu lírico estar "sem olhos, sem boca, sem dimensões" diante de uma determinada circunstância foi analisado por A. Candido como uma ideia que se abrange e evolui para um desentendimento geral do sujeito em relação ao outro: "Esta ideia vai aumentando até que do mundo avesso (do obstáculo e do desentendimento) surja a ideia social do 'mundo caduco', feito de instituições superadas que geram o desajuste e a iniquidade" Ou seja, em um situação incomunicável, de afogamento no rio entre peixes sulfúreos.
Assinalamos que existem certas marcas no poema, em uma espécie de mistura entre os sentimentos do sujeito e os do carnaval, que retratam a realidade da carnavalização e todos os seus paradoxos. O eu lírico ao declarar "Estou perdido"; "o pandeiro bate/ é dentro do peito"; " Eternas namoradas/ riem para mim" "Impossível perdoá-las/sequer esquecê-las"; "grandes braços, largos espaços/eternamente" traduz o mundo carnavalesco - discutido por Bakhtin - em que nos deparamos com situações de troca/anulação de identidades, conflitos sociais e a voz do outro que pode ser ouvida nesse contexto de um cotidiano de "ponta-cabeça".
Desta forma, o sujeito situado numa festa de carnaval, apesar de sua suposta inadequação (chamamos atenção para a possibilidade de tal sujeito ser a representação do poeta, tendo em vista a figura consolidada de isolamento e solidão e também pela referência ao detrimento da poesia na sociedade "Pobre poesia"), adquire as contradições da festa e reflete tais esperiências de gozo e desordem na estrutura do poema, como podemos demonstrar nos últimos versos: "curvas curvas curvas/ bandeiras de prétitos/ pneus silenciosos/ grandes braços largos espaços/eternamente", que retratam todo o movimento de pessoas, a fuga do cotidiano e o jogo de prazer e de exaltação do eu lírico que penetram nas entrelinhas do poema.
Em seus primeiros livros, convergências entre o Movimento Modernista e Drummond podem ser apresentadas tendo em vista o tratamento anticonvencional, exercido pelo poeta, apesar de temáticas que, de certa forma, já estavam "consolidadas" pela tradição, como sentimentalidades e a espiritualidade do mundo.
O poema "Um homem e seu carnaval", presente no livro "Brejo das almas", retrata o trabalho com a palavra poética, através de técnicas "modernas" de composição e abodagem dos confllitos entre o indivíduo (o "eu") e o mundo.
"Um homem e seu carnaval" é composto por versos sem rimas e sem métrica fixas, contudo a presença de enjambement proporciona as continuações e linearidades sintático-semânticas do poema. Na primeira estrofe, composta por nove versos, podemos perceber do verso 5 ao 8 a aliteração da consoante "s"; já na segunda estrofe, composta por dez versos, há predomínio das consoantes oclusivas "p", "b" e "t" nos versos 1 ao 3.
Por tratar-se de um poema fanopáico, isto é, em que existe a preponderância das imagens ao longo do texto, podemos afirmar que a construçao poética relaciona-se diretamente com tais imagens e com a própria temática exposta. Sendo assim, apontamos que a aliteração da consoante "s", na primeira estrofe, sugere uma isomorfia, uma vez que a sonoridade deste fonema remete-nos ao contexto em que a voz poética está inserida, espaço este caracterizado pela folia do carnaval: barulho, multidão, danças... Da mesma forma ocorre na estrofe seguinte, quando o eu lírico diz: "O pandeiro bate/ é dentro do peito/ mas niguém percebe" as consoantes aqui em destaque proporcionam a visão e a sonoridade dos batuques e das agitações do carnaval.
A terceira estrofe inicia-se com a mesma expressão que abre o poema "Deus me abandonou no meio..." contudo, nesta última estrofe, há uma "transfiguração" dos espaços e das personagens na continuidade do texto: os elementos do carnaval - representados, inicialmente, pelas figuras da baiana e da egípcia - são substituídos por matérias depreciativas, como "peixes sulfúreos" e "ondas de éter", revelando-nos uma suposta inquietação, ou inadequação do eu lírico àquele ambiente. Para reforçar esse sentimento de não correspondência à situação, sublinhamos que um dos aspectos drummondianos mais conhecidos é esta oposição do eu com o mundo.
Esse sentimento de o eu lírico estar "sem olhos, sem boca, sem dimensões" diante de uma determinada circunstância foi analisado por A. Candido como uma ideia que se abrange e evolui para um desentendimento geral do sujeito em relação ao outro: "Esta ideia vai aumentando até que do mundo avesso (do obstáculo e do desentendimento) surja a ideia social do 'mundo caduco', feito de instituições superadas que geram o desajuste e a iniquidade" Ou seja, em um situação incomunicável, de afogamento no rio entre peixes sulfúreos.
Assinalamos que existem certas marcas no poema, em uma espécie de mistura entre os sentimentos do sujeito e os do carnaval, que retratam a realidade da carnavalização e todos os seus paradoxos. O eu lírico ao declarar "Estou perdido"; "o pandeiro bate/ é dentro do peito"; " Eternas namoradas/ riem para mim" "Impossível perdoá-las/sequer esquecê-las"; "grandes braços, largos espaços/eternamente" traduz o mundo carnavalesco - discutido por Bakhtin - em que nos deparamos com situações de troca/anulação de identidades, conflitos sociais e a voz do outro que pode ser ouvida nesse contexto de um cotidiano de "ponta-cabeça".
Desta forma, o sujeito situado numa festa de carnaval, apesar de sua suposta inadequação (chamamos atenção para a possibilidade de tal sujeito ser a representação do poeta, tendo em vista a figura consolidada de isolamento e solidão e também pela referência ao detrimento da poesia na sociedade "Pobre poesia"), adquire as contradições da festa e reflete tais esperiências de gozo e desordem na estrutura do poema, como podemos demonstrar nos últimos versos: "curvas curvas curvas/ bandeiras de prétitos/ pneus silenciosos/ grandes braços largos espaços/eternamente", que retratam todo o movimento de pessoas, a fuga do cotidiano e o jogo de prazer e de exaltação do eu lírico que penetram nas entrelinhas do poema.
9 comentários:
Ahá, sabia que Raíra não ia nos deixar na mão!
Mas cadê o comentário sobre o show show de Caetano, Raíra?
Que ótimo, Raíra!
Discípula do Amador é o que há!
Gostei muito da análise.
Felizes os alunos do próximo período, que já terão essa postagem como modelo. Ai que inveja! risos.
Obrigada!
Só achei que ficou um pouco longo demais pra texto de blog. O que vocês acham?
Raíra, seria simpático deixar na sua postagem um link para o texto do poema, o que acha?
Que ótimo texto, Raíra.
Quando pegamos um poema desses pra analisar, vamos nos encantando cada vez mais com esse difícil e belo trabalho com as palavras que é a poesia.
Bruna Belmont
PS: Concordo com Leonor quanto ao tamanho. Achei longo, mas não vejo uma maneira de encurtá-lo.
PS2: Não consegui comentar como visitante.
Ótima análise Raíra, muito boa mesmo!!!! Você pd deixar o link para o poema como Leonor disse para a gente poder ir ver lá.
PS: "PS2: Não consegui comentar como visitante" Bruna só quer ser a dona do blog.
Gostei bastante da sua análise, Raíra. Achei a idéia de Leonor de colocar o link muito boa.
=D
Ok, pessoal! Vou aprender a postar links e faço! ;)
Muito bom o texto. Apesar de extenso, uma boa análise sobre o poema de Drummond e seu aspecto ritmico.
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