domingo, 9 de agosto de 2009

O autor e a autoria


Daniel Costa


Em nossa última reunião da Monitoria, uma questão foi levantada e resolvi trazê-la para nosso espaço virtual. Ao discutirmos o texto “Aula” de Roland Barths, em algum momento, uma colega monitora lançou a questão a que me propus a fazer alguns apontamentos e questionamentos. Tratemos, então, um pouco sobre a questão da autoria. Esta incomoda alguns que se propõem a escrever trabalhos científicos. Mas quais os motivos de tal incômodo?


É comum ao lermos trabalhos científicos encontrarmos o uso do “plural de modéstia” ou da terceira pessoa para tornar o texto impessoal. Isso é feito na tentativa de camuflar o sujeito desses textos por trás de alguma autoridade científica – como, por exemplo, denominamos a instituição de que fazemos parte num artigo. Pode-se dizer que isso é feito para dar credibilidade ao que se está expondo no texto, para dar-lhe uma imagem científica. O que foi colocado na reunião foi que alguns autores se sentem “angustiados” – na falta de termo mais preciso – por não poder expressar o orgulho de se descobrir algo, de assumir um ponto de vista inovador fruto das experiências pessoais do pesquisador. Para alguns que escrevem textos científicos, não basta ter o nome indicando a autoria – ou coautoria . O que se deseja é o que é , pois nada como o prazer de ser reconhecido e de dizer: “eu descobri isso”, “com a minha pesquisa observei isso”, etc.


Contudo, a questão da autoria é explorada de forma interessante no livro “Budapeste” de Chico Buarque. Este foi visto ao termino da disciplina Literatura Brasileira V, ministrada pelo professor Expedito, em que discutimos a questão da autoria naquele romance. Nele o personagem principal – José Costa – trabalha como Autor Anônimo escrevendo textos dos mais diversos – de trabalhos científicos à autobiografias. O desejo de ser reconhecido como autor de seus trabalhos surge no momento em que “sua” primeira obra autobiográfica - “O Ginógrafo”, uma “autobiografia” do personagem alemão Kaspar Krabbe – faz sucesso. José Costa ainda publica em Húngaro, enquanto morava em Budapeste, um livro de poesias para Kocsis Ferenc, poeta húngaro decadente. Enfim, Budapeste é uma leitura que recomendo para os interessados no tema.


Apesar de tratar a questão através de outro aspecto, o livro de Chico Buarque serve-nos para pensar sobre outro ponto da autoria, que seria a veracidade do que se está escrito em autobiografias, por exemplo. Mas sem querer me estender nessa postagem e deixando bem marcado que eu que faço estes apontamentos, deixo aqui para que possamos refletir sobre o assunto as seguintes questões: Os trabalhos científicos devem/poderiam ser menos impessoais? Isso afetaria a credibilidade desses trabalhos?


Comentem e exponham suas opiniões.

7 comentários:

Késia Mota disse...

Sempre gostei de escrever trabalhos científicos em terceira pessoa. Acho elegante. Alguns professores colocam isso como uma regra pétrea, mas eu não penso assim.
Há excelentes autores que gostam de escrever em primeira pessoa.
Achei interessante o Daniel ter levantado essa questão, pois um dos aspectos do meu comentário a ser em breve publicado aqui, já que acaba de iniciar a minha semana no blog, será exatamente esse: o uso da primeira pessoa em textos técnicos.
Parabéns, Daniel, gostei do seu texto.
Um abraço para todos e até daqui a pouquinho com o meu texto.

leonor disse...

Acho que usar primeira pessoa do singular ou construções impessoais em textos científicos é como quase tudo na vida: depende.
Como este aspecto não foi ainda lembrado, vou falar: evitar o "eu" nesses textos pode não ser fuga nem camuflagem, e sim uma espécie de modéstia. Quem escreve não é dono absoluto das idéias, e sabe disso. É diferente da autoria literária, me parece.

MONITORIA DLCV disse...

Adorei seu post, Daniel.
Não tenho bem uma opinião formada acerca dessa questão, mas acredito ser possível deixar o texto mais pessoal, sem afetar na qualidade. Não vejo como, no entanto, deixar de preservar a formalidade.
Tou me contradizendo?
Budapeeeeeste! Num tinha pensado nele. Tudo a ver. Ana trabalhou com a gt tb em Teoria II...

Bruna Belmont

Mábia disse...

Muito interessante suas colocações. Eu só tenho medo que trabalhos em primeira pessoa do singular dêem a impressão de subjetividade, na verdade eu acho que fica muito subjetivo mesmo, perde o caráter científico. Não quer dizer, porém que perca a qualidade, como Leonor disse: depende.

MONITORIA DLCV disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
MONITORIA DLCV disse...

Eu acho que o uso da primeira pessoa sugere uma aproximação maior entre o texto e o leitor, alguma forma de interação, que é oportuno em alguns textos, mas acho que não cabe aos trabalhos científicos. A impessoalidade é mais formal, e, ao meu ver, os textos acadêmicos pedem essa formalidade.


Nathália Pinto

Unknown disse...

Tenho ótimas recomendações para eu ler Budapeste. Tive oportunidade, mas preferi o Ensaio sobre a Cegueira (leiam). Já li algumas análises, e mais esta agora, e vejo como a técnica da narrativa volta a ser explorada como forma de chamar o leitor para ir até o final do texto. Muito bom...