Estou à procura da felicidade. Não, não é a do filme com Will Smith. É a de Macabéa da narrativa A Hora da Estrela, de Clarice Lispector. É a felicidade que, segundo o narrador, foi “inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes”, e que eu “inventei” de querer saber. Preciso entender essa felicidade doida para não enlouquecer. Então, vou seguir os passos de Macabéa para ver se “dou de cara” com essa tal felicidade.
A princípio percebi que a felicidade para Macabéa fazia parte de sua rotina. “Ela pensava que a pessoa era obrigada a ser feliz. Então era”. Simplesmente acreditava-se feliz. Mas, como assim? Ela era feliz só porque pensava que era? Quem ela pensa que é? Eis a questão! Pois “Nunca pensara em ‘eu sou eu’”. Macabéa não existia para si própria. Ela “não tinha consciência de si e não reclamava nada.” Agora tudo começa a fazer sentido. Macabéa não se conhecia. Não se percebia em interação com o mundo que a cercava. Não entendia a relação sujeito-sociedade e, portanto, não tinha consciência de sua função social, de seu lugar no mundo. “Nem se dava conta de que vivia numa sociedade técnica onde ela era um parafuso dispensável.” Ah, se ela tivesse essa consciência duvido que se considerasse feliz! Pois, as preocupações dialéticas, as perspectivas futuras confrontadas com os objetivos do capitalismo selvagem, as dúvidas sobre o destino, faz da vida uma constante angústia. Mas, Macabéa não questionava sobre sua vida, tinha índole passiva, era alienada do mundo ao qual pertencia (o dos humilhados e dos ofendidos). Assim, ela era feliz.
Um dia ela se olhou no espelho. E, embora o espelho fosse baço e escurecido, enxergou a cara toda deformada. “Viu ainda dois olhos enormes, redondos, saltados e interrogativos”. Interrogativos?! É, parece que, finalmente, ela começa a questionar. Mas, o que será que ela estava perguntando? “Talvez a pergunta vazia fosse apenas para que um dia alguém não viesse a dizer que ela nem ao menos havia perguntado.” Respondeu a si mesma: “É assim porque é assim.” Parece pouco? Por enquanto basta. Afinal, não é fácil entender o significado da própria existência. O caminho é longo e árduo. O importante é que ela estava dando o primeiro passo.
Macabéa começou a sentir sua existência quando ela estava terminando. Eu explico. Foi no encontro com a cartomante que ela teve a constatação de que sua vida, até então, tinha sido horrível. Antes, ela “não sabia que era infeliz”. E, através das previsões sobre o seu futuro, pela primeira vez na vida, teve coragem de ter esperança. Nesse instante, sentiu sua existência. Estava “grávida de futuro”. “Até para atravessar a rua ela já era outra pessoa”. E no primeiro passo que deu para o fazer, ao descer a calçada, o destino a alcançou: o enorme Mercedes amarelo pegou-a. Ao ser atropelada, Macabéa “prestou de repente um pouco de atenção para si mesma” e descobriu a sua essência: “ela era capim”. “Era à-toa na cidade inconquistável”. É no paradoxo que ela se encontra: “Hoje, pensou ela, hoje é o primeiro dia de minha vida: nasci.” Ela nasce, isto é, toma consciência de si mesma na hora que estava morrendo.
A felicidade, que tanto procurei entender nessa história, estava na inconsciência que Macabéa tinha de sua existência, e deixou de existir quando ela tomou consciência de si e de sua condição social. Portanto, foi encontrada uma felicidade alienada.
Eva Gondim
4 comentários:
Ainda não sei se concordo com Eva, nesse final aí... :)
Mas o texto me levou pela mão, direitinho. Gostoso de ler. E, de quebra, me lembrou de Macabéa, de quem tanto gosto, e que fazia tempo não me passava pela memória.
Já dizia Epicuro:
"Só há um caminho para a felicidade. Não nos preocuparmos com coisas que ultrapassam o poder da nossa vontade."
Macabéa gostava do não se ver em si.
Muito legal seu texto Eva.Gosto de Clarice Lispector. ;)
Prisciane, adorei a frase de Epicuro, pois reflete mais ou menos o que tinha em mente quando pensei gerar o texto.
Leonor, esse final não me agradou, acho que procurei uma coisa e encontrei outra...rs. Desejei encontrar em Macabéa uma resposta sobre o lado bom de viver sem preocupações, como disse Clarice:
"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada." Mas, essa é outra história...rs
Que bom que vocês gostaram do texto.
O seu texto instiga a leitura da obra literária. Parabéns!
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