segunda-feira, 9 de maio de 2011

Um lugar da memória

Por Aíla Muniz


Percorrer essas ruas depois de tanto tempo não é a coisa mais fácil de fazer. O sofrimento que vivi por aqui, abafado pelos anos e novas habitações, acostumou-se a passar batido por mim. Poucas vezes calhava de se impregnar numa parede descascada que expunha a cor de tinta da época. Já era natural me esquivar de certos roteiros e bifurcações que terminassem na praça que ainda fico constrangido de chamar maldita. Talvez seja a igreja imponente ao centro que me faça querer encontrar otimismo na dor que senti sobre esses paralelepípedos. Talvez haja algo de bom, afinal. O fato é que voltar ali, por conta própria, por resolução de ano novo, nunca prometeu indiferença. Muitos podem julgar, e julgam, que o fato de eu não ter me debulhado em lágrimas em plena luz do dia, ali ao centro, como muitos fizeram, faz do meu choro algo menor. Só agora percebo que chorar baixo à noite, sentado num banco qualquer, tinha razão de ser. Voltar para casa batendo as mãos pelas grades do caminho, como uma criança – que era - fingindo que nada estava acontecendo era o mais natural que conseguiriam de mim. 

Hoje volto como o jovem adulto que se permite chorar a dor que decidiram não ser merecida, mas é. Volto amparado e sem rótulo. Fico feliz de caminhar acompanhado, contando o que cada pedaço daquele lugar me traz, sabendo que não sou vítima nem vilão para meu acompanhante. Feliz por poder entristecer numa boa vez por outra e ter alguém pra contar nessas horas. 

À segunda vista, o lugar parece outro: casas, lojas, padarias, igreja, calçamento. Mas é tudo igual, eu que cheguei diferente. E a partir dessa mudança, posso tornar acessíveis aquelas rotas. Assumindo o risco de vez ou outra ter de encostar o carro e chorar indefinidamente por ter encontrado o mínimo detalhe, o guarda de trânsito que me atravessava em frente à escola. Só assim posso me permitir transitar por um bairro que faz parte da cidade onde moro, sem cortar caminho. Porque às vezes o que eu quero só encontro lá.

5 comentários:

Késia Mota disse...

Aíla, gostei muito do teu estilo.

Parabéns!

Aíla Muniz disse...

Brigada, Késia! :)

Simeia Castro disse...

Muito legal, um "eu" que sente-se "Feliz por poder entristecer numa boa vez por outra e ter alguém pra contar nessas horas". Um regresso melancólico, mas de certa forma otimista/amparado.

leonor disse...

E agora, o que é que eu falo?

Fantástico, Aíla!

Larissa Mendes disse...

Gostei bastante dessa coisa mais introspectiva, e acabou que atiçou a curiosidade... Fiquei especulando quais seriam os motivos das lágrimas... Deixa um mistério.