segunda-feira, 30 de maio de 2011

Literatura?


Por Ana Ximenes Gomes

Recentemente li um texto de Carlos Ceia, O poder da leitura literária (contra as formas de impoder), que a meu ver constrói uma crítica à postura hermética de Harold Bloom que tira o poder literário e constitutivo de aprendizagem de livros não canônicos. Assim, vê-se uma questão já conhecida como “o que é literatura?” gerar outra questão trivial: “O que não é literatura?”. Tudo isso, dentro da academia que vivemos, torna muito válida a discussão sobre uma descanonização da literatura.

De acordo com Antonio Candido, a literatura seria uma transposição do real, portanto podemos ver que não se limita a uma rotulação ou segregação de cânones. Os clássicos não podem ser vistos como uma representação única do que é literatura, principalmente para aqueles que estão se iniciando nesta arte, mesmo que como apreciadores, e por que não, curiosos.

Destacando esta última palavra, curiosidade – que também pode ser ligada ao prazer ou ao deleite – é vista como sentimento, na maioria das vezes, precursor de uma aprendizagem literária. A literatura é uma forma de se imitar a realidade, é o instante em que a linguagem é transformada e recriada pelo autor tendo o leitor como, além de apreciador, também um participante desta ação.

Portanto, como dizer que um livro ou outro não é literatura? Há a possibilidade de pensar através da leitura de livros como Harry Potter? Se sim, todo o argumento que se contrapõe à leitura de livros como este se dissolve no seu próprio nascimento, e a esta pergunta não podemos ter resposta precisa, pois, se partirmos do pressuposto que na tríade autor-obra-público se encaixa a subjetividade deste terceiro elemento, não há caminho certo para uma definição padrão como resposta. O importante é destrinchar todos os fios desta teia de intertextualidades, que pode fazer um indivíduo sair de uma leitura de Harry Potter para outro tipo de leitura literária, e assim por diante.

            É preciso questionar o que será aprendido explicitamente e implicitamente no texto. O público infantil, por muitas vezes, tem uma filtragem reduzida diante dos textos literários e nisso os educadores podem participar de forma intervencionista, porém, esse filtro, ou questionamento, não pode cair em demasia por interesses políticos, educacionais tendenciosos ou auto-ajuda direcionada. O pensar e a imaginação devem se manter alheios a estes interesses externos, e essa preocupação deve permear tanto os literatos como os pedagogos.

            É notório pensar, de acordo com o autor, que há necessidade de se resgatar a leitura retirando-a desse papel pseudo-acadêmico que faz com que seus pseudo-leitores se foquem apenas, ou principalmente, em fazer análises codificadas para uma leitura futura já pré-dirigida. A arte não deve ser conceitualizada, não se pode enquadrá-la dentro de um paradigma científico, o que deve cativar os leitores é a infinidade de possibilidades interpretativas que o leitor pode atingir, descobrindo até um olhar nunca imaginado por outros anteriormente.

Por fim, ressaltando a liberdade de participação que textos, clássicos e não clássicos, possibilitam através da leitura, a única recomendação que deveria existir para qualquer indivíduo, em qualquer idade, em qualquer condição social, sexo ou etnia seria a de não aprisionar as possibilidades de atribuir sentidos aos livros, rotulações que não constituem a qualidade do texto, deixando sempre o leitor como parte integrante do sentido deste sentido, sendo ele o terceiro elemento, mas nem por isso menos fundamental que os demais no processo criativo.

3 comentários:

Simeia Castro disse...

Ximenes, gostei muito da temática abordada em seu texto. Não há como esquecer as palavras de Terry Eagleton (1983), em seu livro "Teoria Literária". O autor ao tratar sobre o que seria literatura afirma que a mesma talvez seja definível não pelo fato de ser ficcional ou “imaginativa”, mas por aplicar a linguagem de forma peculiar.

Lamento profundamente quando alguns que se propõem a fazer uma análise de um texto literário associem diretamente as experiências pessoais do autor com o conteúdo de sua escrita. Pois ainda de acordo com Eagleton, a linguagem literária pode “deformar” a linguagem comum de várias maneiras e não necessariamente as temáticas desenvolvidas têm compromisso com o “fato real”. Concordo plenamente com Antonio Candido, quando em seu livro "Literatura e Sociedade", diz que a crítica literária deve analisar a intimidade das obras, interessando a averiguação dos fatores que atuam na organização interna, além disso, procurando os elementos responsáveis pelo aspecto e significado da obra.

Késia Mota disse...

A literatura é uma arte maravilhosa. O cânone é rico e diverso, é verdade, e deve ser lido. Temos que conhecer pelo menos as principais obras. Inevitavelmente são elas que "educam" os escritores e leitores em todas as eras.

Mas não há nada mais gostoso que perceber o quanto as letras são dinâmicas e isso faz com que novas obras sejam criadas constantemente, inclusive sendo publicadas aqui no blog da monitoria. Que dizer de "Aula de Matemática", da nossa colega Simeia? Não está no cânone, mas é um conto excelente e muito bom para fazer um trabalho acadêmico.

A nova literatura, a literatura que não está no cânone, tem o seu valor e é especial.

Viva a literatura!

Valeu, Ximenes, por partilhar esse texto com a gente.

Jailton disse...

Legal, Ximenes!!! Adorei o teu texto!!! Deixo aqui uma questão a esse respeito: devemos começar a ensinar um pouco de teoria literária no ensino médio, sim ou não?